A Importância do preparo tradicional dos alimentos
O preparo tradicional, desenvolvido ao longo de milênios, que faz com que substâncias indesejáveis e até mesmo tóxicas sejam neutralizadas, facilita a digestão, faz com que o conteúdo nutricional aumente e muitas vezes fornece probióticos.
Abaixo está um texto , focado no ácido fítico, que eu traduzi da fundação Weston Price abordando o tema.

Na América Central o milho era (e é) tradicionalmente preparado através de um processo chamado nixtamalização, que envolve deixar de molho em meio alcalino - usualmente cinzas de árvores - , fermentar e cozinhar. Além de eliminar antinutrientes, este processo torna a niacina, vitamina B3, biodisponível. Quando o milho começou a ser utilizado como alimento de subsistência em outras regiões, sem este conhecimento tradicional de preparo, aconteceram muitos casos de pelagra, que é extremamente séria e causada pela deficiência de niacina.
Conhecendo o ácido fítico
O ácido fítico é um dos vários "anti-nutrientes" presente principalmente em grãos, sementes e leguminosas. A preparação adequada destes alimentos neutralizará uma grande porção destes compostos problemáticos.
Estudos mostram que o ácido fítico impede a absorção do cálcio, zinco, magnésio, ferro e cobre; sendo que essas consequências adversas variam conforme a pessoa, dependendo do estado da flora intestinal (que em alguns casos pode decompor o ácido fítico) e dos outros elementos da dieta.
Métodos para diminuir ou neutralizar os anti-nutrientes são encontrados quase que universalmente entre os povos não industrializados.
Preparando grãos, nozes, sementes e feijões para a máxima nutrição
Os anti-nutrientes podem representar um grave problema em nossas dietas pois perdemos o contato com nossa herança ancestral de preparação de alimentos. Além disso, “gurus” de dietas da moda e teóricos sem conhecimento aprofundado promovem o consumo de alimentos integrais e crus, e ainda muitas vezes alimentos processados e ricos em fitatos, como o pão integral e cereais matinais. Mas grãos integrais, sementes, nozes e feijões crus, sem a preparação adequada, definitivamente não são apropriados para o nosso sistema digestivo.
O ácido fítico é a principal forma de armazenamento de fósforo em muitos tecidos vegetais, e se concentra especialmente na membrana exterior das sementes e no farelo dos grãos. Fitatos também são encontrados em tubérculos, e podem ocorrer traços em certas frutas e legumes como vagens e feijão verde. O fósforo se encontra em uma forma molecular muito estável, de pequena biodisponibilidade, além disso, outras ligações livres desta molécula se ligam facilmente com outros minerais, como cálcio, magnésio, ferro e zinco, tornando-os também indisponíveis. Nesta forma, o composto é referido como fitato.
O ácido fítico não apenas se liga e bloqueia a absorção destes importantes minerais, mas também inibe as enzimas que precisamos para digerir nossos alimentos, incluindo a pepsina, necessária para a quebra de proteínas no estômago, a amilase, que decompõe o amido, e a tripsina, necessária para a digestão das proteínas no intestino delgado.
Inúmeros problemas de saúde já foram relatados e observados como consequência de uma dieta rica em grãos, incluindo cáries, deficiências nutricionais, falta de apetite e problemas digestivos.
A presença de ácido fítico em tantos alimentos que consumimos regularmente torna imperativo que saibamos preparar esses alimentos para neutralizar o conteúdo de ácido fítico tanto quanto possível.

Molécula de ácido fítico de seis lados com um átomo de fósforo em cada “braço”.
FITATOS EM ALIMENTOS
Até 80% do fósforo - um mineral vital para os ossos e saúde - presente nos grãos está em uma forma inutilizável como fitato. Quando uma dieta que inclui mais do que pequenas quantidades de fitato é consumida, ele começará a se ligar ao cálcio. O resultado é que você perde cálcio e não absorve o fósforo. Além disso, pesquisas sugerem que absorvemos cerca de 20% menos zinco e 60% menos magnésio de nossos alimentos quando o fitato está presente.
A quantidade de fitato nos alimentos é bastante variável. Os níveis que os pesquisadores encontram quando analisam um alimento, provavelmente dependem das condições de cultivo, técnicas de colheita, métodos de processamento, tempo de armazenamento e até dos métodos utilizados nos testes. O ácido fítico é muito maior em alimentos cultivados com fertilizantes químicos, com alto teor de fosfato, do que os cultivados com adubo natural.
As sementes e o farelo são as fontes mais elevadas de fitatos, contendo de duas a cinco vezes mais fitatos do que algumas variedades de soja, que sabemos serem altamente indigestas se não forem fermentadas por longos períodos.
EFEITOS PREJUDICIAIS
Dietas ricas em fitatos resultam em deficiências minerais. Nas populações em que grãos de cereais fornecem uma fonte importante de calorias, o raquitismo e a osteoporose são comuns.
Curiosamente, o corpo tem alguma capacidade de se adaptar aos efeitos dos fitatos na dieta. Alguns estudos demonstraram que indivíduos que começaram a ingerir grandes quantidades de trigo integral inicialmente excretaram mais cálcio do que absorviam, mas depois de várias semanas nessa dieta, atingiram um equilíbrio e não excretavam excesso de cálcio.
Entretanto, não foram feitas pesquisas englobando um período prolongado de tempo e nem se ocorre o mesmo fenômeno com outros minerais importantes, como ferro, magnésio e zinco.
Os efeitos de bloqueio de zinco e ferro podem ser tão graves quanto os de cálcio. Por exemplo, um estudo mostrou que uma porção de trigo contendo 2 mg de ácido fítico inibiu a absorção de zinco em 18%, 25 mg de ácido fítico inibiram a absorção de zinco em 64%, e 250 mg inibiram a absorção de zinco em 82%.
Quando a dieta carece de minerais, contém altos níveis de fitatos, ou ambos, o metabolismo diminui e o corpo então se prepara para usar o mínimo possível desses minerais. Os adultos podem passar por décadas com uma dieta rica em fitatos, mas as crianças em crescimento enfrentam problemas graves. Em uma dieta rica em fitatos, seus corpos sofrerão da falta de cálcio e fósforo, apresentando menor crescimento ósseo, estatura baixa, raquitismo, mandíbulas estreitas e cárie dentária, e pela falta de zinco e ferro, anemia e retardo mental.
EXPERIMENTOS DE EDWARD MELLANBY
Já em 1949, o pesquisador Edward Mellanby demonstrou os efeitos desmineralizantes do ácido fítico. Ao estudar como os grãos com e sem ácido fítico afetam os cães, Mellanby descobriu que o consumo de cereais com alto teor de fitatos interfere no crescimento ósseo e interrompe o metabolismo da vitamina D. Níveis elevados de ácido fítico no contexto de uma dieta pobre em cálcio e vitamina D resultaram em raquitismo e uma formação óssea deficiente.
Seus estudos mostraram que o consumo excessivo de fitatos consome vitamina D. A vitamina D pode mitigar os efeitos nocivos dos fitatos, mas de acordo com Mellanby, "Quando a dieta é rica em fitato, a formação óssea perfeita só pode ser obtida se o cálcio for adicionado a uma dieta contendo vitamina D. "
Os estudos de Mellanby mostraram que o raquitismo gerado pelo excesso de ácido fítico foi limitado pelo cálcio.
De acordo com este ponto de vista, o grau de interferência com o processo de calcificação produzida por um determinado cereal dependerá da quantidade de ácido fítico e da quantidade de cálcio que contém, ou da quantidade de cálcio que contém a dieta. Fósforo na dieta (pelo menos a partir de grãos) precisa de algum tipo de cálcio para se ligar. Isto explica a combinação sinérgica de pão sourdough com queijo. Historicamente, o cultivo de grãos geralmente acompanha a criação de animais de leite, altos níveis de cálcio na dieta atenuam os efeitos de empobrecimento mineral do ácido fítico.
Em experimentos de Mellanby com cães, o aumento da vitamina D fez ossos mais fortes, independentemente da dieta, mas este aumento não teve um impacto significativo sobre a quantidade de cálcio excretado. Aqueles com dietas ricas em fitato excretaram bastante cálcio, aqueles com dietas ricas em fósforo de carne ou livres de ácido fítico através de preparação adequada, excretaram pequenas quantidades de cálcio.
Com base nos experimentos minuciosos de Mellanby, pode-se concluir que o crescimento de ossos saudáveis requer uma dieta rica em cálcio absorvível e fósforo absorvível, grande quantidade de vitamina D e uma dieta pobre em cálcio de pouca biodisponibilidade (suplementos, leite pasteurizado) e fósforo não absorvível (fitatos).
Curiosamente, seus experimentos mostraram que o arroz branco apresenta menos problema do que grãos integrais, estes contêm mais minerais, mas também maiores quantidades de ácido fítico. Outras experiências mostraram que, ainda que os grãos integrais contenham mais minerais, no final, quantidades iguais ou menores de minerais são absorvidas em comparação com arroz polido e a farinha branca. Este resultado acontece principalmente pelo bloqueio de minerais do ácido fítico, mas pode também resultar de outros anti-nutrientes em grãos.
Assim, o cálcio absorvível de caldos de ossos e produtos lácteos crus, e a vitamina D de certas gorduras animais, podem reduzir os efeitos adversos do ácido fítico.
Outros estudos mostram que a adição de ácido ascórbico pode contrabalancear significativamente o bloqueio de ferro pelo ácido fítico. Um estudo demonstrou que os níveis de fitatos no arroz foram “desativados” pela vitamina C da couve.
Pesquisas publicadas no ano 2000 indicam que tanto a vitamina A quanto o betacaroteno formam um complexo com o ferro, mantendo-o solúvel e impedindo o efeito inibitório dos fitatos em sua absorção. Aqui temos mais um motivo para consumir carne de órgãos e gorduras animais ricas em vitamina A, e frutas e vegetais ricos em carotenos, caso alimentos concentrados em fitatos façam parte da dieta.
FITASE
A fitase é a enzima que neutraliza o ácido fítico e libera o fósforo. Esta enzima coexiste em alimentos vegetais que contêm ácido fítico.
Os animais ruminantes, como vacas, ovelhas e cabras, não têm problemas com o ácido fítico, porque a fitase é produzida por microrganismos do aparelho digestivo. Os animais monogástricos também produzem fitase, embora muito menos. Os ratos produzem trinta vezes mais fitase do que os seres humanos, assim eles podem ser muito felizes comendo grãos integrais crus. Dados de experimentos com ácido fítico usando camundongos e outros roedores não podem ser aplicados a seres humanos.
Em geral, os seres humanos não produzem suficiente fitase para consumir com segurança grandes quantidades de alimentos com elevado teor de fitatos numa base regular. No entanto, os lactobacilos probióticos e outras espécies da microbiota intestinal podem produzir fitase. Assim, os seres humanos que têm boa flora intestinal terão mais facilidade com alimentos que contenham ácido fítico. O aumento da produção de fitase pela microbiota intestinal explica por que alguns voluntários podem se adaptar a uma dieta rica em fitatos. A germinação ativa a fitase, reduzindo assim o ácido fítico.O uso de grãos germinados reduzirá a quantidade de ácido fítico na ração animal, sem redução significativa do valor nutricional.
Deixar de molho grãos e farinhas em um meio ácido em temperaturas quentes, como em processos de fermentação, também ativa a fitase e reduz ou mesmo elimina o ácido fítico.
Antes do advento da agricultura industrial, os agricultores normalmente embebiam grãos triturados em água quente para alimentar aves e suínos. Hoje, os fabricantes de alimentos adicionam fitase a misturas de grãos para obter um melhor crescimento em animais. As fitases comerciais são tipicamente produzidas utilizando tecnologia de DNA recombinante. Por exemplo, um gene de fitase bacteriana é inserido em levedura para produção comercial.
Nem todos os grãos contêm fitase suficiente para eliminar o fitato, mesmo quando devidamente preparados. Por exemplo, milho, painço, aveia e arroz integral não contêm fitase suficiente para eliminar todo o ácido fítico presente. Por outro lado, o trigo e o centeio, contêm altos níveis de fitase - o trigo contém quatorze vezes mais fitase do que o arroz e o centeio contém mais do dobro de fitase que o trigo. Encharcar ou fermentar esses grãos, quando recém moídos, em um ambiente quente, neutraliza todo o ácido fítico. Os altos níveis de fitase no centeio explica por que este grão é o preferido como um fermento para pães sourdough (de fermentação longa e natural).
A fitase é destruída pelo calor na temperatura de aproximadamente 80 graus celsius em dez minutos ou menos. Em uma solução úmida, a fitase é destruída em temperaturas de aproximadamente 60 graus. Assim, o processamento térmico, como a extrusão, destruirá completamente a fitase - pense em cereais extrudados inteiros, muito ricos em ácido fítico e toda sua fitase destruída por processamento. Cereais extrudados feitos de farelo e grãos integrais são uma receita para problemas digestivos e deficiências minerais!
A fitase está presente em pequenas quantidades na aveia, mas o tratamento térmico para produzir aveia comercial o torna inativo. Mesmo moer um grão muito rapidamente ou a uma temperatura muito alta vai destruir fitase, assim como congelamento e longos tempos de armazenamento. A farinha fresca tem maior teor de fitase do que a farinha que foi armazenada. As culturas tradicionais geralmente moem o grão fresco antes da preparação. Weston Price descobriu que os ratos alimentados com as farinhas que não foram moídas recentemente não cresceram corretamente.
Cozinhar não é suficiente para reduzir o ácido fítico, deixar de molho em meio ácido antes de cozinhar é necessário para ativar a fitase e deixá-la fazer o seu trabalho. Por exemplo, a eliminação de ácido fítico na quinoa requer fermentação ou germinação mais cozimento. Em geral, uma combinação de remoção ácida durante um período de tempo considerável e depois cozedura reduzirá uma porção significativa do fitato em grãos e leguminosas.