VEGETARIANISMO E AYURVEDA
A alimentação, com suas múltiplas implicações é um tema imanente e fértil ao ser humano.
As mais diversas percepções, ideias e sentimentos podem brotar da nossa relação com o alimento.
Atualmente presenciamos uma difusão de inúmeras propostas e abordagens que levam em conta não apenas o paladar, a nutrição e a saúde individual, mas também o sofrimento animal, o meio ambiente, a justiça e trazem à tona discussões nos âmbitos ético e moral.
As concepções subjacentes ao vegetarianismo têm feito isso há séculos, e mais recentemente, o veganismo.
É interessante notar que nem o veganismo, nem o vegetarianismo aparecem entre povos indígenas ou aborígenes. Ao que tudo indica, a ideia do vegetarianismo só passa a ser possível em civilizações adiantadas (no sentido cronológico), muito depois do surgimento da agricultura.
Ou seja, apenas num ambiente civilizado, já distanciado da natureza, com espécies alimentícias domesticadas, surge a proposta vegetariana – em pequena escala, impulsionada por motivos religiosos e espirituais e não, de saúde, como frequentemente é divulgado hoje em dia.
Diferentemente do que popularmente se pensa, a civilização hindu não é originalmente vegetariana e nem seu sofisticado sistema de conhecimento - o ayurveda - propõe o vegetarianismo como sugestão de dieta ideal. Práticas dietéticas similares, vegetarianas ou veganas são receitadas por curtos períodos, usualmente com propósito de purificação.
Os motivos de seguir uma dieta vegetariana em culturas orientais limitavam-se ao seu aspecto ético, espiritual ou religioso – o que também NÃO implica que para se dedicar à espiritualidade é necessário ou mais desejável ser vegetariano ou vegano.
Acontece que muitos adeptos da filosofia vegana / vegetariana acabam difundindo erros, mentiras e distorções para fortalecer seus argumentos.
Por exemplo, existe uma falsa percepção de que o sistema milenar de saúde, o Āyurveda tem sua base no vegetarianismo.
Para contribuir para o esclarecimento deste assunto, traduzi um artigo de um profundo conhecedor do Ayurveda – que não só aprendeu numa linhagem de conhecimento familiar de mais de 800 anos no Nepal, onde as práticas originais do Ayurveda estão mais preservadas do que na em muitos locais da Índia, como também estudou e conhece detalhadamente os textos fundadores desta arte-ciência milenar.
Vegetarianismo e Ayurveda
Escrito por Todd Caldecott e traduzido por Pedro Ivo
Levando em consideração as décadas de conhecimento que acumulamos sobre a questão real da deficiência de vitamina B12, a noção de que esta vitamina pode ser obtida a partir de alimentos vegetais nada mais é do que ilusão, tipicamente expressada por aqueles que acreditam que comer carne é moralmente errado.
Normalmente, aquilo em que alguém acredita não me preocupa, mas quando esta crença obscurece a prática do Āyurveda, nega a ciência básica e coloca a saúde de muitos em risco, é importante falar abertamente.
Embora seja doloroso de ouvir, a verdade é que o Āyurveda não é e nunca foi um sistema vegetariano.
Não há nada em nenhum texto clássico da Āyurveda, incluindo aqueles de bṛhat trayī (Caraka, Suśruta, Vāgbhaṭa) ou de laghu trayī (Mādhava, Śāraṅgadhara, Bhāvaprakāśa), que sugira algo contrário.
Todos estes textos e muitos outros descrevem as qualidades e propriedades de uma série de produtos de origem animal, incluindo seu uso no tratamento de doenças. Quanto a este último aspecto, das muitas doenças e síndromes descritas pelo Āyurveda, apenas para a condição unmāda (psicose), uma dieta vegetariana é algumas vezes prescrita, mas não consistentemente. Caso contrário, para qualquer outra doença, a utilidade prática dos produtos de origem animal na dieta é descrita, tal como a recomendação frequente de consumir a carne de animais do deserto, bem como a aplicação onipresente de māṃsa rasa (sopa com carnes não gordurosas).
A cultura védica era vegetariana?
Āyurveda é um śāstra, ou um ensinamento dentro da tradição védica, e não é vegetariano porque a própria cultura védica antiga não era vegetariana. Embora isso possa surpreender muitos, na verdade, há tanta evidência contra a afirmação de que a cultura védica era vegetariana que declarar algo diferente disso beira o absurdo.
Em seu tomo de referência minuciosa, The Myth of the Holy Cow, o estudioso hindu Dr. DN Jha desconstrói sistematicamente a afirmação que a civilização védica era vegetariana. Como o título sugere, o autor apresenta evidências de que os povos védicos antigos não consideravam a vaca da mesma maneira que os hindus modernos, fazendo amplas referências ao consumo de carne bovina, que era especialmente valorizado como um alimento ritualístico pela casta sacerdotal (brahmins).
Esta ironia foi recentemente esclarecida quando o estado de Maharashtra baniu o consumo de carne bovina, citando a importância histórica do vegetarianismo na sociedade hindu. Infelizmente, para os adeptos deste movimento, isso também chamou atenção ao fato de que muitas comunidades bramínicas continuam a comer carne - incluindo carne bovina – como parte de uma linhagem intacta de prática que data de milhares de anos. Como o grande Swami Vivekananda disse mais de cem anos atrás: “Você se surpreenderá ao saber que, de acordo com os ritos e rituais hindus antigos, um homem não poderá ser um bom hindu se não consumir carne bovina.”
Restabelecendo o contexto adequado ao vegetarianismo
O fato de eu ser capaz de convencê-lo ou não de que a cultura védica não era vegetariana não cabe a mim: como qualquer debate relativo a um tópico tão vasto, é fácil escolher alguns fatos em detrimento de outros. Certamente, há evidências de práticas vegetarianas na literatura védica, mas estas estão relacionadas às práticas ascéticas, e não a conselhos nutricionais gerais.
Como uma forma de abnegação e purificação, o vegetarianismo tem sido há muito tempo um componente de práticas ascéticas na Índia antiga. Estas práticas variavam de meditação e yoga a métodos mais severos tais como arrancar os pelos do corpo ou andar sobre brasas – todas com o objetivo de desarraigar os desejos mundanos e revelar a penúltima verdade. A antiguidade dessas práticas, incluindo o vegetarianismo, são comprovadas no Rāmāyaṇam quando o Senhor Rāma deixa o conforto de seu palácio para seguir o caminho do brahmacarya, ou renúncia mundana:
“Irei viver solitariamente em uma floresta como um sábio por catorze anos, abandonando a carne e me alimentando de raízes, frutas e mel.”
– Ayōdhyā Kanda 2-20-29
A associação entre vegetarianismo e o ascetismo hindu é inegável, mas não é uma relação exclusiva, nem esta associação se prestou a informar as práticas da sociedade atual. No livro legal sagrado hindu, chamado de Manusmṛti, o vegetarianismo é apenas mencionado como uma técnica apropriada para aqueles com mentes religiosas, e não como uma prática geral. Embora o Manusmṛti tenha sido compilado quase dois mil anos após o fim do período védico, não há nada nele – mesmo em sua data comparativamente tardia – que sugira que o vegetarianismo foi um requisito para o hindu comum.
E o ahimsā?
Embora o vegetarianismo sirva como uma forma de abnegação, importante para penitência ou ritual de purificação (como na história de Rāma), as práticas vegetarianas também são baseadas no conceito de ahimsā, ou não-violência. Como uma forma específica de prática espiritual, o ahimsā encontrou sua maior expressão nas tradições espirituais pós-védicas do primeiro milênio A.C, incluindo o Jainismo e o Budismo. Ao abraçar completamente o conceito de ahimsā, estes novos movimentos espirituais se distinguiram claramente da religião védica, atraindo novos seguidores ao criticar a prática “decadente” da matança de animais em rituais.
Dentre os dois, o Jainismo adotou a abordagem mais radical ao problema do ahimsā, que em sua expressão mais alta envolve a prática de sallekhanā, ou morrer de fome. Embora mais certamente causando o menor dos danos, o sallekhanā como um objetivo espiritual é tipicamente realizado por pouquíssimas pessoas. Para a vasta maioria dos jainistas, a prática do ahimsā no que tange à dieta permite o consumo de laticínios (já que nenhum dano aparente é causado à vaca pela ordenha), bem como permite o consumo das partes aéreas de qualquer planta como alimento – mas não das raízes (que matariam a planta).
Em contraste, embora a prática de ahimsā seja um pré-requisito ao avanço espiritual, comer carne simplesmente não é uma violação dos ensinamentos budistas, uma vez que a carne não é um ser vivo. Diferentemente do Jainismo, que concebe o karma como uma essência material sutil que se une a uma alma permanente, os ensinamentos budistas acreditam que o karma seja uma função de causa e efeito que se relaciona mais à intenção. Desse modo, Buda comia carne se esta lhe fosse dada como esmola, mas a fim de defender o princípio do ahimsā, ele se negava a comer o alimento se soubesse de antemão que o animal tinha sido abatido especificamente por sua causa.
Tanto o Budismo quanto o Jainismo cresceram durante o período pós-védico, mas devido a sua maior flexibilização com respeito à dieta, bem como o fato de que rejeitava o sistema de castas mantido pelos hindus e jainistas, o budismo se tornou a força religiosa dominante na Índia durante a parte posterior do primeiro milênio. A influência crescente e disseminada do Budismo na Índia significou que seus conceitos, incluindo aquele do ahimsā, indelevelmente moldassem a sociedade indiana e, posteriormente, as crenças hindus.
Inspirado pelos ensinamentos budistas do ahimsā, o imperador Aśoka estabeleceu uma lei da terra no terceiro século A.C, consagrando os direitos dos animais, banindo o sacrifício animal e promovendo uma administração ambiental. Sob este aspecto, Aśoka não estava defendendo o vegetarianismo, mas sim mais ponderação, cuidado e consideração por todos os seres vivos.
O Budismo exerceu sua influência na Índia por quase mil anos, e sua ênfase no ahimsā como uma prática teve uma forte influência sobre o movimento de revitalização hindu que emergiu com o declínio do Budismo.
No sétimo século, um reformador hindu chamado de Ādi Śaṅkara idealizou de maneira bem-sucedida uma nova versão dos ensinamentos hindus que variavam apenas ligeiramente do Budismo, adicionando o conceito de um deus eterno (Brahman), mas incluindo a mesma ênfase budista sobre o ahimsā. Gradualmente, este movimento de revitalização se tornou um movimento sincrético religioso influenciado pelas tradições populares regionais, incluindo o movimento bhakti (devocional) da Índia do Sul, para evoluir à forma dominante do Hinduísmo encontrado hoje na Índia – chamado de Vaishnavismo.
À medida que o renascimento hindu emergiu durante o período medieval inicial, a Índia passou a sofrer a primeira onda de mais de mil anos de invasão estrangeira, continuando até os britânicos deixarem a Índia em 1947. Alguns estudiosos afirmaram que o ideal de ahimsā era tão disseminado na sociedade indiana medieval inicial que deixou o país vulnerável à invasão. Certamente, havia uma diferença marcante entre o caráter das forças invasoras, cujo "Deus" justificava qualquer forma de violência e brutalidade, e os princípios espirituais da sociedade indiana, que valorizava a paz e a contemplação.
Embora houvesse muitos hindus, incluindo o guerreiro Marathi Śivaji, que tentaram combater os invasores, as tradições culturais da Índia foram sistematicamente prejudicadas durante este período. Agora já em declínio, a invasão estrangeira significou para o Budismo sua completa erradicação na Índia, uma vez que as hordas de guerreiros turcos e árabes encontraram pouca resistência de seus monastérios e universidades. Para os hindus, significou a destruição de grande parte de sua herança cultural, incluindo monumentos religiosos tais como o templo em Ayōdhyā, que marcou o local de nascimento tradicional do deus hindu Rāma.
Como uma resposta à invasão estrangeira, o período medieval compreensivelmente marca um período de consolidação dentro da cultura indiana, e a cristalização de uma ortodoxia hindu e de suas crenças. Para manter sua singularidade religiosa, e como um modo de distinguir hindus dos invasores não vegetarianos, o vegetarianismo foi promovido como parte da identidade cultural hindu. A cristalização dos ensinamentos hindus, no entanto, teve um impacto drástico sobre a compreensão e sofisticação do Āyurveda.
Da mesma maneira que o conhecimento médico sofisticado herdado dos gregos e romanos da Igreja passou por declínio durante a Idade das Trevas na Europa, a preservação do Āyurveda pela ortodoxia hindu durante o período medieval significou que muito do conhecimento se tornou teórico e acadêmico. Práticas racionais tais como a cirurgia quase desapareceram por completo do Āyurveda durante este período, e foram substituídas pela superstição, e uma grande ênfase sobre as técnicas religiosas e mágicas foi dada para a cura de doenças. Dessa maneira, a dieta vegetariana como um marco da cultura hindu foi não apenas associada com a moralidade, mas também serviu como um tipo de talismã contra doenças.
Sobre sattva, rajas e tamas
Um modo frequente utilizado para explicar a diferença entre o vegetarianismo e o não vegetarianismo, bem como as práticas que compreendem a ortodoxia hindu e as que não fazem parte da mesma, é citar o conceito de triguṇa.
Individualmente chamados de sattva, rajas e tamas, o triguṇa representa três estados distintos, ainda que interdependentes, cada um representando uma esfera diferente de experiência.
A origem deste conceito é encontrada no Sāṁkhya, uma doutrina considerada por alguns estudiosos como sendo a mais antiga dos Vedas. Embora os ensinamentos originais do Sāṁkhya tenham se perdido no tempo, existem em forma redigida como um texto chamado de Sāṁkhya-kārikā (terceiro-quinto século da Era Comum), suplementados com algumas referências aos ensinamentos do Bhagavad-gītā. O Sāṁkhya, porém, é particularmente importante à epistemologia do Āyurveda, e está presente em textos clássicos tais como o Caraka saṃhitā, no qual encontramos a exposição mais antiga de sua doutrina.
De acordo com o Sāṁkhya, sattva, rajas e tamas se referem às três virtudes manifestas dentro de um ser particular (chamadas de ahaṃkāra). Dentro deste estado temporal, sattva, rajas e tamas representam diferentes aspectos da experiência de um ser. De acordo com o Sāṁkhya-kārikā, sattva é descrito como “iluminador”, dando surgimento ao prazer; rajas é descrito como “ativador”, dando surgimento à dor; e tamas é descrito como “limitador”, dando surgimento ao delírio.
Coletivamente, estas três virtudes representam o espectro inteiro da experiência.
Derivado das palavras sat (verdade eterna) e tva (a ti mesmo), sattva representa a consciência subjetiva, que é apenas completamente experimentada através da meditação profunda, quando a mente se volta para dentro e para longe das compulsões de rāga (desejo) e dviṣ (aversão). É por este motivo que se diz que sattva causa prazer – não um prazer temporal que atende ao desejo – mas, em vez disso, à bem-aventurança que vem da percepção espiritual profunda (saccidānanda). Em contraste, tamas representa o mundo físico e objetivo, incluindo nossos corpos, o alimento que ingerimos, a própria terra e todas as estrelas no Universo. No Āyurveda, isto inclui os cinco elementos, e os três doṣhas que emanam deles.
Entre eles se encontra o rajas como o “ativador”, a virtude que vincula o sattva ao tamas, conduzindo a consciência iluminada para a inércia da realidade física.
Quando a doutrina do Sāṁkhya se cristalizou dentro da ortodoxia hindu, o conceito de triguṇa se tornou muito mais literal. Em vez de representar o conceito esotérico da consciência iluminada, o sattva se tornou sinônimo de “bondade” e “pureza”, representando os valores religiosos e espirituais do Hinduísmo ortodoxo.
Similarmente, rajas se associou a “conflito” e “perturbação”, e tamas a “maldade” e “contaminação”.
Dessa maneira, quando aplicados aos alimentos, tudo aquilo que é vegetariano é automaticamente considerado como sendo sátvico, sendo que os alimentos não vegetarianos são tamásicos, e os alimentos rajásicos são aqueles que estimulam o desejo por alimentos tamásicos.
Por exemplo, o leite e o arroz – dois alimentos básicos da cozinha vegetariana indiana – são considerados “sátvicos”, sendo que alimentos como carne, peixe e álcool são considerados “tamásicos”.
Os supostos alimentos “rajásicos” incluem cebola, alho e chili, os quais estimulam o apetite por alimentos mais pesados (isto é, tamásicos). Embora esta definição possa fazer sentido na base de sua lógica interna, faz sentido apenas quando se ignora a doutrina original do Sāṁkhya e do Āyurveda. De acordo com Caraka, a palavra “sattva” é sinônimo de mente, e se aceitamos esta definição, não é possível para um alimento ser também um produto de sattva.
Cada um de nós deve consumir alimentos para nutrir seus corpos e, desse modo, tanto o alimento quanto o corpo se relacionam com a virtude de tamas. É impossível dizer que um alimento é “sátvico” e que outro é “tamásico”, quando na verdade, todos os alimentos são tamásicos, e são ingeridos precisamente por estas virtudes tamásicas, isto é, para nutrir e sustentar o nosso corpo tamásico.
Quando um objeto tamásico tal como um alimento é elevado à virtude de sattva, estamos praticando uma forma sutil de materialismo espiritual, no qual o objeto se confunde com o sujeito. Desde o período medieval na Índia, as crenças e práticas hindus muitas vezes refletiram este equívoco, involuindo do significado simbólico e sagrado dos objetos e da impressão que é transmitido à mente, à promoção destes objetos como uma incorporação da própria experiência espiritual.
Quando levantei estas questões anteriormente, uma discussão frequente com a qual me deparei é que devo estar dizendo que o alimento não tem impacto na consciência. Esta conclusão, no entanto, reflete similarmente a ignorância de alguém que não compreende inteiramente a natureza interdependente do triguna.
Só porque o alimento e a mente não são a mesma coisa, não significa que o alimento não pode impactar a consciência – obviamente isto se dá – assim como alguém que por ventura tenha comido muita pimenta ou raiz-forte pode confirmar. Mas este efeito não é uma propriedade exclusiva do alimento, uma vez que qualquer coisa dentro do campo do tamas pode impactar a mente. Como você se sente em um dia chuvoso – um pouco deprimido ou triste talvez? E se você discutisse com alguém – ficaria com raiva? E se você ganhasse na loteria? Isso mudaria como você se sente? Não há como negar que as experiências tamásicas podem e realmente impactam o equilíbrio da mente (sattva), mas elas assim o fazem com mais intensidade quando confundimos o sujeito (isto é, a mente) com o objeto (isto é, a realidade física). Por exemplo, se alguém faz algo, não gostamos e ficamos bravos, esta pessoa é a causa da nossa raiva e, desse modo, responsável por ela, ou a nossa raiva é puramente uma emanação de nossa consciência?
Confundindo vegetarianismo com espiritualidade
Durante a vida de Buda, ele teve um seguidor chamado de Devadatta que queria mudar alguns de seus ensinamentos.
Especificamente, Devadatta acreditava que o vegetarianismo praticado por outras seitas religiosas, tais como pelos jainistas, deveria ser incorporado ao código monástico budista. Ainda que defendendo o princípio de ahimsā, Buda rejeitou o pedido de Devadatta, que eventualmente resultou em sua expulsão do saṃgha (comunidade).
A razão pela qual Buda o rejeitou é porque Devadatta era fundamentalmente confuso, querendo transformar o ensinamento em um culto de materialismo que promovia o vegetarianismo como um objetivo espiritual, mais uma vez, confundindo o sujeito com o objeto.
Similarmente, através da história espiritual da Índia, os grandes adeptos rejeitaram as distinções espirituais com relação à dieta, incluindo Shirdi Sai Baba, que procurava superar as políticas comunais ao abraçar uma abordagem prática e igualitária para a alimentação. Considere também o que o livro sagrado Sikh, chamado de Guru Granth Sahib, diz sobre o assunto:
“Os tolos discutem sobre o corpo e a carne, mas não sabem nada sobre meditação e sabedoria espiritual. O que é chamado de carne, e o que são chamados de legumes verdes? O que leva ao pecado? Era hábito dos deuses matar os rinocerontes e fazer um banquete de oferendas queimadas. Aqueles que renunciam a carne e tampam o nariz quando se sentam perto da mesma devoram homens à noite. Praticam hipocrisia, e fazem um show perante outras pessoas, mas não compreendem nada sobre meditação e sabedoria espiritual. Ó Nanak, o que pode ser dito às pessoas cegas? Elas não podem responder nem mesmo compreender o que é dito.”
Minha intenção ao escrever este post não foi a de magoar ninguém. O vegetarianismo é uma escolha ética e moral, e apesar das conclusões que se podem depreender a partir deste artigo, tenho muito respeito por esta escolha.
Aplaudo os esforços dos ativistas pelos direitos dos animais e apoio os esforços para desconstruir o modelo alimentar industrial que trata as criaturas vivas como nada além de mercadorias. Mas a escolha do vegetarianismo é apenas isso – uma escolha – não um imperativo.
Não há nada no Hinduísmo ou no Āyurveda que determine o vegetarianismo, apesar do fato que quase todos os médicos formados pelo Āyurveda recomendem uma dieta vegetariana.
Ainda hoje, os médicos irão contradizer ou modificar diretamente as práticas do Āyurveda para promulgar a crença equivocada que uma dieta vegetariana é “mais saudável”, ou que é de alguma maneira intrinsecamente melhor para atingir equilíbrio mental. Como podemos ver com a questão levantada com relação ao problema da deficiência de vitamina B12 nas comunidades vegetarianas, a crença abrangente que o vegetarianismo é uma dieta superior é certo ultraje imposto ao Āyurveda, limitando sua utilidade prática, e causando danos irreversíveis a sua integridade.
A questão do vegetarianismo no Āyurveda é uma vaca sagrada metafórica que ofusca sua história e prática autêntica, e o força a se tornar nada mais do que uma fraca réplica desta. A realidade é que o Āyurveda é para todos, independentemente da dieta, crença, gênero, idade, cultura, geografia ou clima.
De acordo com a tradição, o conhecimento do Āyurveda é incorporado à própria tessitura da matéria, e dessa maneira, é uma parte de todos nós – mesmo que não saibamos.
O Āyurveda é um sistema de conhecimento que permite que você viva em sintonia com o dharma, ou o ritmo natural da vida, não importando onde viva: quer seja nos trópicos exuberantes da Índia do Sul, onde ser vegetariano é muito fácil, ou nos gélidos estepes do Tibete, onde ser vegetariano nem é uma possibilidade.
Minha esperança ao abordar esta questão é reabrir o diálogo com relação à dieta, restaurando o Āyurveda ao seu estado autêntico: resplandecente em sua sabedoria fundamentada e terrena.
* * *
Texto original em https://dogwoodbotanical.com/vegetarianism-and-ayurveda/
Kommentare